divulgação

O Trailer de Dunkirk

Em apenas 50 segundos, Christopher Nolan crava e arrasa – de novo

Hoje vou na contramão: está todo mundo ouriçado com o trailer de Rogue One (sim, você-sabe-quem aparece no final!), mas o que me deixou realmente embasbacada foi o teaser de Dunkirk, do Christopher Nolan, que estreia em julho do ano que vem. São só 50 segundos de imagens – e, no entanto, elas fizeram valer a minha semana, o meu mês e quem sabe até o meu semestre. Estou achando que vão fazer valer meu 2017 também: são belíssimas, grandiosas, perturbadoras, únicas. Arrepiantes. Em menos de um minuto, me senti transportada para algo muito maior que eu, que o meu mundo. A ambição cinematográfica de Nolan não tem tamanho e, mesmo que ele às vezes erre aqui ou acolá, acerta no fundamental: a ambição narrativa dele se torna também cada vez mais extraordinária, e o cinema precisa disso. É o sangue dele.

divulgação

Só para dar uma palinha: em maio de 1940, quando a II Guerra ainda não havia completado nem um ano (ela começou em setembro de 1939), as forças Aliadas foram encurraladas pelos nazistas na costa norte da França, contra o mar do Canal da Mancha. Dezenas de milhares de belgas, ingleses e sobretudo franceses morreram na batalha. O comando militar mandou que os sobreviventes (um meio milhão de homens) recuassem até o porto da cidade francesa de Dunquerque, à espera de uma evacuação por mar. De destróiers a barcos a remo, quase 1.000 embarcações foram mobilizadas, e quase todos puderam ser retirados. Foi uma derrota terrível mas, dentro dela, obteve-se a maior vitória possível, que é a sobrevivência (o teaser usa essa frase, que é referência a um discurso muito célebre do primeiro-ministro inglês Winston Churchill).

divulgação

Quem, hoje, filma como Nolan? Rigorosamente ninguém: os três cineastas – três monstros do cinema, na verdade – que se percebe serem as influências mais nítidas dele em Dunkirk estão todos mortos. De Stanley Kubrick, que já fora uma grande referência de Interstelar, Nolan usa, nesses 50 segundos, o rigor geométrico, que faz com que as composições visuais pareçam sempre algo de fora deste mundo: as cenas têm elementos corriqueiros, como praias ou pessoas, mas a perfeição e a complexidade geométrica as tornam diferentes, ao mesmo tempo novas e estranhas (pense na cena de A Laranja Mecânica em que, andando ao lado de um espelho d’água em câmera lenta, Malcolm McDowell subitamente sai da linha da caminhada, enviesa-se na tela, dá uma bengalada em um de seus companheiros e o empurra para dentro d’água. É isso. Poderia ser comum, mas vira uma imagem que fica com você durante décadas).

divulgação

Do russo Andrei Tarkovsky, o gênio de Solaris e O Sacrifício, Nolan aproveita duas habilidades muito singulares. Primeiro, a de fotografar elementos da natureza com um enquadramento e uma distância que os faz parecerem abstratos – uma imagem antológica é a das algas movimentadas pela correnteza em Solaris ou, neste caso, a espuma do mar que abre o teaser de Dunkirk. Segundo, o dom de fazer com que paisagens “ajam” como personagens e, inversamente, fazer com que personagens funcionem como componente da paisagem. Tarkovsky faz isso o tempo todo em O Sacrifício, e Nolan faz isso o tempo todo no teaser de Dunkirk. Repare, por exemplo, na imagem dos cadáveres velados por uma camada de areia, com uma tropa ao fundo.

Finalmente, do mestre dos mestres, o japonês Akira Kurosawa, Nolan se aproveita de um truque simples (de explicar; nem sempre de fazer). Kurosawa nunca deixava de acrescentar movimento ao “pano” de uma cena, e geralmente se valia do clima: vento nas roupas ou na vegetação, chuva caindo de calhas ou escorrendo por um vidro, nuvens correndo no céu e mudando ou não a luz do sol. Às vezes, num efeito belíssimo, ele usava os movimentos de grupos de pessoas destacados dos personagens principais – gente ao fundo, ou no canto do quadro, interferindo nas linhas do olhar. É preciso manjar horrores (friso: horrores) de pintura e de composição cenográfica para fazer isso de maneira a que você sinta o movimento sem percebê-lo como algo à parte. Mas veja como Nolan usa em Dunkirk as duas formas de obter o movimento implícito, o clima e os deslocamentos de personagens.

divulgação

O que crava e arrasa no teaser, porém, é algo que Nolan foi aprendendo sozinho a apreciar e a valorizar. É algo que está na última imagem, e eu deixo que o próprio Nolan explique. O trecho abaixo é de uma entrevista que ele me deu na ocasião do lançamento de Interstelar, e não é por me gabar não, mas recomendo que você leia a resenha do filme e a entrevista inteira aqui, porque ambas são bem bacanas. Lá vai Nolan falando do mais decisivo de todos os elementos de um filme:

“Não existe nada mais interessante no mundo do que o rosto humano. Quando você se torna cineasta porque seu interesse é visual e cinemático, mais do que dramático – e foi esse o meu caso –, você quer ir para uma locação e filmar imagens impactantes. Se está chovendo, ou escureceu e você perdeu a hora de rodar uma cena, pensa: mas o que então vou filmar? Pouco a pouco, descobri que estava menosprezando o elemento mais intrigante, fascinante e essencial de todos que pode haver em um filme: o rosto dos meus atores. É nos atores, nas pessoas, que um filme vive ou morre. Criar outros planetas, filmar em Imax, imaginar uma travessia do universo – tudo isso só faz sentido se girar em torno do elemento humano.”


Trailer

7 comentários em “O Trailer de Dunkirk”

  1. Realmente, até parece óbvio depois que alguém diz: é mais impressionante, a partir da cadeira do cinema ou da poltrona de casa, assistir uma esquadra de aviões bombardeiros se aproximando de seu objetivo ou o pavor do iminente no rosto de alguém que é o alvo? Claro que vai depender da performance do ator. E é aí que se deduz que é uma besteira dizer que um dia se prescindirá do elemento humano nos filmes, se bem que… vai saber… em se tratando de futuro o incerto é a única certeza.

    Curtir

  2. Excelente texto, eu vi o trailer, mas fiquei sem saber qual a história desse filme e acabei sabendo que se trata de um fato histórico .
    Agora é aguardar esse novo projeto e ver o que veremos .

    Curtir

  3. Sou um grande admirador do trabalho do Christopher Nolan, e já que foi feita a analogia com a ginástica artística, pode-se considerar Nolan como um grandioso ginasta, às vezes desequilibra em seus movimentos ousados, mas quando crava vemos algo realmente belo e grandioso.

    P.S.: passarei a pesquisar antes de fazer alguma sugestão ou pedido de resenha. Obrigado pelo Interestelar!

    Curtir

    1. Fico feliz em saber que DEPOIS da Trilogia Batman, Christopher Nolan finalmente deixou de ser desleixado e passou a trabalhar o Cinema em sua essência artística, que é a composição de imagens. Porque em matéria de bálsamo para os olhos, o Zack Snyder permanece o melhor diretor do mundo, com aquele visual deslumbrante das “imagens mais belas e voluptuosas, quase tácteis” (Isabela Boscov, sobre a maravilha visual que é Batman vs. Superman). Até a coreografia das cenas de ação dos filmes de Snyder dá de 1000 a zero nos de Nolan, que nem sequer se prestou a fazer uma cena de luta decente.

      Curtir

      1. “Zack Snyder permanece o melhor diretor do mundo” Putz…. ele pode ate ser um otimo diretor, mas dizer isso ai é demais. na minha humilde opinião ele ainda esta bem atras dos diretores Christopher Nolan e JJ Abrans. alguns excessos do Snyder são comparáveis as cagadas de Michael Bay.

        Curtir

  4. Excelente matéria, eu sou fã de carteirinha de Christopher Nolan, acho ele junto com JJ Abrans as duas maiores potências do cinema entretenimento e fazem com que se torne algo grande

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s