Um cometa imenso enche o céu rumo à Terra, mas há gente que “não acredita” nele: no filme, o diretor Adam McKay dá a humanidade por perdida
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Leia aqui a minha resenha da revista VEJA:
A doutoranda Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) e seu orientador, Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), mal têm tempo de comemorar a descoberta dela. Enquanto bebericam o champanhe ali mesmo, no laboratório astronômico, Kate refaz seus cálculos — e refaz, e refaz. Não resta dúvida: o cometa com 8 a 10 quilômetros de diâmetro (um Everest inteiro, portanto) vai se enfiar em cheio na Terra dentro de alguns meses. É a extinção total e final, viajando a milhares de quilômetros por hora. Mas, com sua estupidez eleitoreira, a presidente Janie Orlean (Meryl Streep) e seu filho e chefe de gabinete (Jonah Hill) riem da cara dos dois cientistas no Salão Oval: imagine, não pode ser tão sério assim, e 99,7% de certeza não é igual a 100%, ora. Atordoados com tanta ignorância, Kate e Mindy decidem ir à TV dar o alarme. Os âncoras — um quase-comediante e uma loira plastificada, interpretados por Tyler Perry e Cate Blanchett — insistem em tratar da coisa no seu habitual tom idiótico, o que leva Kate a gritar com os dois no ar e ser tachada no mundo todo como “aquela louca”. Já Mindy, o astrônomo bonitão, vira o suave porta-voz para assuntos cataclísmicos do noticiário e da Casa Branca, encarregado de vender uma versão atenuada da hecatombe iminente. É inevitável, assim, que a população mundial se divida entre os que “acreditam” e os que “não acreditam” no cálculo de Kate, que foi replicado com resultados idênticos e zero margem de incerteza por todos os departamentos de astronomia do planeta.
Não Olhe para Cima (Don’t Look Up, Estados Unidos, 2021), já em cartaz em alguns cinemas e a partir do dia 24 na Netflix, tem aquele humor cínico, abilolado e fora dos trilhos que é a marca do diretor e roteirista Adam McKay, de A Grande Aposta e Vice. Ri-se muito no filme, mas a piada é amarga: mesmo quando o desastre já é visível a olho nu há gente que não é capaz de se convencer de que vai levá-lo na cabeça. O cometa é uma mancha enorme nos céus, mas a presidente Orlean continua incitando os “don’tlookuppers”, e eles continuam lotando os comícios dela; Peter Isherwell (Mark Rylance), um gigante do setor tech que se crê visionário (e consegue fazer com que acreditem nele), diz que vai explodir o cometa com suas sondas nucleares inteligentes — que, claro, revelam ter um QI bem baixo; um general casca-grossa (Ron Perlman) acha que pode pegar o cometa à unha, sem atentar para a indiferença olímpica dos corpos celestes; e, como não poderia deixar de ser, todo esse pessoal graúdo preparou para si uma saída à francesa da Terra. Aos outros 99% — abrangidas aí a parte racional da humanidade, e a nem tanto — resta aguentar o tranco. Que vai deixar no chinelo aquele que acabou com os dinossauros.
Sexistas, negacionistas, populistas, vira-casacas, bois de presépio, inocentes, conscienciosos: Adam McKay faz chover estilhaços sobre todo mundo porque, por definição, é isso que fazem as catástrofes globais. Como aquele outro cometa, esse climático, do qual há pelo menos cinco décadas público e governos vêm sendo avisados: metade do planeta pega fogo, outra metade se afoga em enchentes, e segue robusto o contingente de chamuscados e molhados para os quais não, não pode ser tão sério assim.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768
Boscov permita me te indicar uns clássicos do cinema.
O Cheiro do papaia Verde
Lanternas vermelhas
Amor a flor da pele
e Mediterrâneo.
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Mamis, amo o seu trabalho. Adorei o vídeo sobre fleabag e gostaria muito de ver você falando sobre I may destroy you da michaela coel. Espero que tenha visto. ❤️
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Diz a física que a energia se movimenta em ondas e quando uma onda chega no seu pico, imediatamente cai. O que estamos vendo é uma sociedade (uns poucos pecam pela ação, a maioria, por omissão) “dando o seu melhor”, se esforçando ao máximo, pra destruir este belíssimo e abundante planeta. A natureza é implacável na sua isenção e cobra o preço sem olhar pra quem. O universo responde à gigantesca vibração negativa emitida com uma força que se multiplica por si mesma numa espiral geométrica descendente. Espero não estar mais aqui pra ver o ato final.
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