Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.
Gosto tanto de Joseph Gordon-Levitt que até hoje não consegui perdoar Zooey Deschanel por ter partido o coração dele em (500) Dias com Ela.
Mas, apesar da minha simpatia por ele (ou exatamente por causa dela) sofri na primeira metade de A Travessia: foi duro aguentar a franjinha horrorosa que colocaram em Gordon-Levitt, as lentes de contato azuis muito falsas, o sotaque de jurado do Master Chef e aquele jeito de falar sempre transbordante de entusiasmo, com os olhos bem arregalados. (Calma, já explico por que gostei da segunda metade do filme.) O objetivo, claro, é tornar Gordon-Levitt mais parecido com o verdadeiro Philippe Petit, o francês que em 7 de agosto de 1974 fez oito vezes o caminho entre as duas torres do World Trade Center equilibrando-se sobre a corda-bamba. Mas a caracterização é executada de maneira tão intrusiva que o efeito é o oposto do que se pretende: em vez ajudar o ator a sumir dentro do personagem, ela chama a atenção, o tempo todo, para a linha que separa os dois. Não bastasse essa tortura sutil, há os solavancos causados pelas intervenções visuais do diretor Robert Zemeckis: paisagens digitais demais, Paris virtual de fábula, muito efeito em toda parte, onde era preciso e onde não era.
E então, a certa altura, Petit chega a Nova York, se põe ao pé de uma das torres e olha para cima, para onde aquele sem-fim de concreto encontra o céu. E aí esqueci toda a irritação e a impaciência, e me embasbaquei junto com ele: como pode haver uma cidade assim tão sem medo da vertigem? A sensação é a de testemunhar uma miragem tornando-se real – ver as Torres Gêmeas nascendo de novo, ainda inocentes do futuro e imaginando que nada poderia ser mais permanente do que tanto aço, concreto e vidro.
Petit invadiu as duas torres para estender entre elas um cabo de aço sete anos depois de primeiro ter visto o projeto delas numa revista. No dia de sua façanha, estava a uma semana de fazer 25 anos e, embora fosse um equilibrista conhecido (caminhara entre as torres de Notre Dame e na ponte da Baía de Sydney), não era propriamente experiente. Já é notável, aliás, que Petit e seus cúmplices tenham conseguido se instalar no topo das torres e passar a noite inteira armando seu “golpe” sem seres detectados: o grupo era cheio de iniciativa e de imaginação, mas era também de um amadorismo incalculável. E, no entanto, Petit cumpriu o que se propusera e, durante os 45 minutos em que andou sobre o abismo entre as Torres Gêmeas a 400 metros ou 110 andares do chão, mudou a percepção dos nova-iorquinos a respeito delas: os dois blocos maciços plantados no sul de Manhattan, antes vistos como pesados e desarmônicos, subitamente ganharam uma leveza e uma imaginação que antes ninguém adivinhava neles. Também Zemeckis cumpre o que se propôs: recriar a caminhada de Petit (da qual restou apenas um punhado de fotos, e nenhuma imagem em movimento) levando o espectador junto com ele, e mostrar o que não está mais lá como se nunca fosse deixar de existir.
Trailer
A TRAVESSIA(The Walk)Estados Unidos, 2015Direção Robert ZemeckisCom Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingsley, Charlotte Le Bon, James Badge Dale, Clément Sibony, César Domboy, Steve Valentine, Ben SchwartzDistribuição: Sony Pictures
Ainda não vi, mas vai ser difícil vencer o documentário.
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Que de fato é excelente, Joca.
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Uma pena, mas não consigo ver isso. 😮 :p
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Medo de altura, Marcio?
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Isabela, adorei o sua expressão “… as torres gêmeas (…) ainda inocentes do seu futuro…”.
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