A irregular “Godfather of Harlem” resgata a vida de um mafioso negro

A série recupera a trajetória de Bumpy Johnson, que era visto nos anos 60 como um benfeitor no bairro negro nova-iorquino ao mesmo tempo que o inundava de heroína

Ellsworth “Bumpy” Johnson é uma dessas figuras que não se encaixam nos ultradelimitados conceitos contemporâneos de correto e incorreto: nascido na Carolina do Sul e despachado aos 11 anos para o Harlem nova-iorquino, quando seu irmão foi acusado de matar um branco, Bumpy pode ser visto como emblema da afirmação racial — e também, muito objetivamente, como um criminoso, se não traidor, já que nos anos 60 inundou o Harlem negro com um de seus flagelos, a heroína (ao mesmo tempo, em razão da generosidade, era visto no bairro como benfeitor). Abarcar essas contradições é uma das ambições de Godfather of Harlem (Estados Unidos, 2019), disponível na íntegra no app da Fox e à taxa de um episódio por semana, desde a sexta-feira 19, no canal Fox Premium. Criada por Chris Brancato e Paul Eckstein, de Narcos, a série descarta a tumultuada vida pregressa de Bumpy (Forest Whitaker) para apanhá-lo já maduro, em 1963, quando saiu da penitenciária de Alcatraz e pôs-se a recuperar seus domínios das mãos do mafioso Vincent Gigante (Vincent D’Onofrio) — que, claro, não gostou da ideia.

O intuito é pintar as muitas facetas das relações raciais na década do movimento pelos direitos civis, incluindo figuras com que Bumpy de fato se relacionou, como o ativista Malcolm X (Nigel Thatch, destaque do elenco), e outras com as quais não se sabe ter tido associação — caso do congressista Adam Clayton Powell (Giancarlo Esposito) e do boxeador Muhammad Ali, então Cassius Clay (Deric Augustine). A trilha de rap traz o assunto para o presente, mas a abrangência e o didatismo prejudicam a série. Com dez episódios que às vezes giram em falso — gasta-se muito tempo com um inane romance inter-racial —, Godfather teria mais impacto se seus criadores fizessem como seu protagonista e cortassem na carne, sem dó.

Publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692

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