Brad Pitt e James Gandolfini em uma história de violência muito calculada – e totalmente assustadora
O diretor neozelandês Andrew Dominik lançou a carreira de Eric Bana (com Chopper – Memórias de um Criminoso, de 2000) e fez dois filmes excelentes com Brad Pitt – O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007) e este O Homem da Máfia (2012), que está dando sopa lá no Netflix. E, no entanto, Dominik nunca estourou: talvez por filmar muito pouco (esses três trabalhos somam a totalidade da sua obra), talvez por seus filmes serem muito introvertidos e não se entregarem facilmente ao espectador. É uma pena que o reconhecimento não seja proporcional à competência dele: Dominik, de 49 anos, é um talento original, com um olhar muito apurado para a violência. Não só para encenar violência, o que ele faz de maneira ao mesmo tempo austera e chocante, mas principalmente para entender o potencial corrosivo dela e as muitas formas que ela pode tomar.
Veja-se, por exemplo, o caso de O Homem da Máfia. Dois marginais pé-de-chinelo têm uma daquelas ideias que, sob o efeito da heroína, parecem brilhantes. Vão assaltar um cassino clandestino da máfia, porque o cassino já foi assaltado antes e é inevitável que, nesta segunda ocorrência, a culpa caia em cheio sobre o gerente do lugar. Assim acontece – mas é óbvio que as coisas não vão parar por aí, e que a dupla terá deflagrado uma sucessão de eventos que se tornam cada vez mais complicados e assustadores. Dominik escolhe como pano de fundo para essa história a primeira campanha presidencial de Barak Obama, contra o republicano John McCain: os americanos estão na lona com a crise financeira iniciada em 2008, perdendo o emprego, a casa e o horizonte – e a conduta de altíssimo risco que o mercado adotou e que levou a essa implosão não é ela também uma forma brutal de violência, pergunta o diretor?
O Homem da Máfia exige atenção total, porque a história é tortuosa. Mas o roteiro é uma beleza, a direção de Dominik é de uma segurança invejável, e o elenco é um espetáculo. Não há ninguém que esteja menos do que sensacional. Mas, ainda assim, vou destacar o trabalho de Brad Pitt – que faz o “faxineiro” da máfia – e o de James Gandolfini. Se você acha que como Tony Soprano ele era de dar medo, então espere só para vê-lo aqui.
Leia a seguir a resenha que publiquei quando o filme foi lançado nos cinemas:
Nada pessoal
Assassinatos, roubos, espancamentos – tudo, em O Homem da Máfia, são negócios. E isso é que é apavorante
Um homem sujo caminha pela calçada em um bairro decrépito, puxando um bando de cachorros atrás de si, enquanto a câmera o acompanha, no mesmo ritmo, do outro lado da rua vazia: tudo se move, mas o homem está sempre no mesmo ponto da visão do espectador, em um efeito cujo desconforto não é menos concreto por ser tão indefinível. Não há nada em O Homem da Máfia que não venha carregado dessa atmosfera de instabilidade. Ela está tanto no diálogo banal que o sujeito acima e seu parceiro (os espetaculares Ben Mendelsohn e Scoot McNairy) travam logo antes de cobrir o rosto com meias de náilon e invadir, armados, o carteado de um certo Markie (Ray Liotta) quanto na brutalidade desenfreada, mas meramente profissional, com que Markie será espancado para confessar se teve algo a ver com o roubo. A instabilidade está também, é óbvio, numa cena de assassinato tão gráfica nos seus detalhes carnais e mecânicos que não há como não sentir pânico diante dela. Mas é ainda mais pronunciada na interação social, numa mesa de bar, entre Jackie (Brad Pitt), o homem a quem cabe pôr ordem nessa confusão, e Mickey (James Gandolfini), que Jackie contratou para cometer um assassinato. Aí, sim, é difícil não ficar com a boca seca, numa reação fisiológica: com sua barriga obscena, seus olhos de ratazana e sua conversa cheia de aflorações persecutórias, Mickey é, no desempenho magistral de Gandolfini, muito mais irracional – e aterrador, portanto – do que Tony Soprano jamais o foi.
Um cineasta capaz de penetrar a insensibilidade da plateia e chocá-la com o impacto real da violência seria já possuidor de um dom singular. Mas o talento técnico e criativo do neozelandês Andrew Dominik, de O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, vai muito além: seus personagens chocam ainda mais pelo que são, e pelo mundo em que vivem, do que pelo que fazem. Adaptado de um romance de 1974, O Homem da Máfia tem sua ação transposta de forma insistente para a eclosão da crise de 2008 e a disputa eleitoral entre John McCain e Barack Obama. Este é um mundo de acentuado determinismo econômico, em que os acenos de esperança e união de Obama foram portanto decisivos para a sua vitória. Manipulando com perícia formidável o som ambiente e a trilha musical, Dominik submerge o espectador nesse microcosmo de corporações mafiosas que se valem de advogados (no caso, Richard Jenkins) para intermediar transações com seus gerentes de nível médio – Brad Pitt, o assassino que amarra pontas soltas e limpa a sujeira. Assim como o personagem irretocavelmente composto por Pitt, o espectador não tem como escapar desse pequeno universo. E, também como ele, é obrigado a observá-lo a meia distância, de forma clínica, pesando ações e consequências. Nada aqui é pessoal, e tudo é negócio. E isso é o que mais dá medo.
Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 05/12/2012
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2012
O HOMEM DA MÁFIA
(Killing Them Softly)
Estados Unidos, 2012
Direção: Andrew Dominik
Com Brad Pitt, Ray Liotta, James Gandolfini, Ben Mendelsohn, Scoot McNairy, Richard Jenkins, Vincent Curatola, Sam Shepard, Max Casella
Um filme que ficou no quase.Quando parecia que ia empolgar, acaba.
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Sobre o pano de fundo:
Considerando a realidade dos fatos após a eleição, é mais do que óbvio que as AÇÕES de Obama foram o exato oposto de seus “acenos”; uma vez no poder, aquele pesadelo monstruoso só trouxe desesperança e desunião ao povo americano.
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