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O Experimento de Aprisionamento de Stanford

Como transformar rapazes normais em sádicos ou vítimas em seis dias

Em 1971, na Califórnia do flower power, o psicólogo Philip Zimbardo aproveitou o período de férias para transformar seu departamento na Universidade Stanford em cenário de um experimento que, acreditava ele, poderia ser muito elucidativo, mas bem pouco emocionante. Zimbardo e seus assistentes puseram um anúncio no jornal procurando voluntários e oferecendo a eles 15 dólares por dia, durante duas semanas. Entrevistaram dezenas de candidatos, selecionaram 24: todos jovens de comportamento normal, sem inclinações agressivas ou violentas, sem histórico de problemas familiares nem de dependência de álcool ou drogas. Seis ficaram no banco dos reservas, e os dezoito restantes foram divididos em dois grupos, literalmente no cara-ou-coroa: cara, e o candidato virava “prisioneiro”; coroa, e virava “carcereiro”.

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Agora vamos tirar as aspas, porque foi impressionante a rapidez com que a prisão de mentirinha montada nas salas do departamento de Psicologia virou uma prisão de verdade: em questão de horas, mal nove dos rapazes tinham vestido o camisolão de prisioneiros e os outros nove envergado o uniforme dos guardas, e um ciclo de abuso crescente já se havia instalado. O estudo de Zimbardo já inspirou vários filmes (não por acaso, dois deles, A Onda e A Experiência, vêm da Alemanha, onde o assunto tem especial interesse) e episódios de seriados. Mas O Experimento de Aprisionamento de Stanford, que está saindo aqui direto em DVD e on-demand, é o mais fiel e também o melhor deles.

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O que o filme do diretor Kyle Patrick Alvarez reproduz à perfeição é a facilidade com que os participantes do estudo entraram em seus papeis – a sujeição passiva dos prisioneiros, as investidas cada vez mais despóticas dos guardas. Quando começa o turno liderado pelo guarda que de imediato ganha o apelido de “John Wayne” (os carcereiros se revezavam em turnos de três), a dinâmica subitamente se aquece e se acelera: Wayne, que nas entrevistas preliminares dissera preferir fazer o papel de prisioneiro, “porque ninguém gosta de guardas”, se revela um talento de primeira grandeza na arte do sadismo. Seu senso de controle e seu conhecimento intuitivo das pequenas (e depois grandes) humilhações capazes de degradar, emascular, desumanizar e despersonalizar passam a dirigir e informar as reações dos dois lados do estudo – e é interessantíssimo o que ele tem a dizer depois sobre o que fez.

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Mas essas coisas surtem mais efeito quando vistas, e não descritas – especialmente porque os desempenhos são um dos elementos mais fortes do filme, e porque Michael Angarano, em particular, é um arraso no papel de “John Wayne”. Angarano é magrinho, não muito alto, e é um ator excelente, mas quase sempre faz personagens vulneráveis, frágeis, de bom coração e má sorte – como em Quase Famosos, Seabiscuit, Os Reis de Dogtown, A Arte da Conquista, Loucos por Dinheiro e por aí vai (ele trabalha sem parar, merecidamente). O carcereiro de sotaque sulista – que ele finge para soar mais ameaçador – Wayne rompe completamente com o seu tipo habitual, e Angarano aproveita a oportunidade para deitar e rolar: são aterradoras as suas interações com Ezra Miller (o prisioneiro 8612), Chris Sheffield (2093) e Thomas Mann (416), os outros grandes destaques do elenco, e é perturbadora a maneira como o clima que ele instaura é capaz de despertar o pior também nos outros guardas.

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O experimento tomou um rumo tão grave que teve de ser interrompido no sexto dia. Pelo protocolo estabelecido pelo próprio Zimbardo (no filme, Billy Crudup), aliás, deveria ter sido cancelado bem antes. Mas é compreensível o fascínio de Zimbardo e dos outros pesquisadores com o monstro em que o estudo se tornou, e sua relutância em privar-se de ver até que ponto ele chegaria. Até hoje, o experimento é considerado um marco – e permanece também altamente controverso, já que alguns dos voluntários dizem ter sido traumatizados em definitivo pela experiência. Zimbardo, que está com 83 anos e continua como professor emérito de Stanford, estava na verdade mirando em outra coisa: queria analisar a forma como um ambiente institucional influencia o comportamento dos indivíduos. Acabou descobrindo fatores decisivos do comportamento autoritário e “de manada” – e não por acaso foi muito consultado quando vieram a público os episódios de tortura praticados por soldados americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib. A mais apavorante de suas conclusões? Ninguém, nem mesmo o mais ajustados dos indivíduos, está livre de se tornar irreconhecível até para si mesmo.


Trailer


O EXPERIMENTO DE APRISIONAMENTO DE STANFORD
(The Stanford Prison Experiment)
Estados Unidos, 2015
Direção: Kyle Patrick Alvarez
Com Michael Angarano, Billy Crudup, Ezra Miller, Thomas Mann, Chris Sheffield, Tye Sheridan, Benedict Samuel, James Wolk, Keir Gilchrist, Ki Hong Lee, Logan Miller, Johnny Simmons, Nelsan Ellis, Nicholas Braun, Gaius Charles, Olivia Thirlby

4 comentários em “O Experimento de Aprisionamento de Stanford”

  1. Eu-odeio-esse-meu-teclado.

    OK, vamos tentar de novo:

    Isso me faz lembrar a letra de uma canção punk rock de cunho sexual:

    “Quando eu e você estamos a sós / E então as luzes se apagam / Eu me sinto um nazista.”

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  2. O grande barato é que os mesmos voluntários dizem ter sido traumatizados em definitivo pela experiência (“prisioneiros” e “carcereiros”) estavam livres para saírem de lá quando quisessem. Mas eles toparam a aposta até o fim só pra ganharem 15 dólares por dia.

    E, é claro, para contribuírem com seu sacrifício para alcançarem a Verdade no sentido mais filosófico do termo: “Conhece-te a ti mesmo.”

    Ah, se eu estivesse lá…

    Eu sei muito bem o que seria capaz de fazer com meus carcereiros.

    Tudo em nome da ciência.

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  3. O grande barato é que os mesmos voluntários que dizem ter sido traumatizados em definitivo pela experiência (“prisioneiros” e “carcereiros”) podiam ter saído de lá quando quisessem; eles só se deixaram traumatizar por 15 dólares por dia.

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