O genocídio armênio, o terrorismo e a conciliação em um belo filme de Robert Guédiguian
O francês Robert Guédiguian é um diretor que merece ser conhecido: é um sujeito que, mais até do que acreditar na humanidade, acredita nas pessoas (e acreditar em indivíduos é frequentemente mais difícil do que acreditar em coletivos abstratos, acho eu), e tem por elas uma empatia genuína e muito farta. Se você ainda não viu os filmes dele (No Lugar do Coração, A Cidade Está Tranquila, O Último Miterrand, O Fio de Ariane), sugiro começar pelo meu preferido, As Neves do Kilimandjaro, de 2011, porque está tudo lá: a força de Ariane Ascaride, com quem Guédiguian está casado desde o tempo da universidade e que é a atriz favorita dele; a largueza de espírito do maravilhoso Jean-Pierre Darroussin, que também bate ponto em quase todos os trabalhos do diretor; e a trama que contrapõe de maneira muito íntima as duas esferas principais da vida humana – aquilo em que acreditamos, e o que de fato fazemos (um casal é assaltado, e não consegue deixar de se envolver na vida dos jovens assaltantes). Ou então você pode começar direto por Uma História de Loucura, que acaba de entrar em cartaz.
Em um breve prólogo em preto e branco, Guédiguian recria um episódio histórico muito interessante: o julgamento do jovem armênio Soghomon Thelirian (Robinson Stévenin), na Berlim do início da década de 20. Thelirian matou à vista de todos, em um parque, com um tiro na cabeça, o turco Tallat Pasha. No tribunal, ele assume o assassinato, mas nega que seja um assassino: Pasha foi um dos comandantes do genocídio armênio pelos turcos, em 1915-1917, que fez algo como 1,5 milhão de vítimas, entre as quais os pais e irmãos de Thelirian. Era obrigação sua cometer esse ato de justiça, diz o rapaz. Diante das evidências terríveis do genocídio (e Guédiguian não deixa de sugerir o paralelo com o genocídio judeu que seria ordenado a partir da mesma Berlim duas décadas mais tarde), o júri absolve Thelirian, que se torna um herói e uma inspiração para os armênios, expulsos de seu país e espalhados pelo mundo.
É uma inspiração, por exemplo, para outro jovem, Aram (Syrus Shahidi), filho de armênios radicados em Marselha, na França: no final dos anos 70 e começo dos 80, à medida que cresce o ativismo armênio contra a diáspora e a anexação do que fora a Armênia à União Soviética, Aram despreza a maneira como os pais (Ariane Ascaride e Simon Abkarian, que interpretou o marido em O Julgamento de Viviane Amsalam) se agarram às tradições armênias mas nada fazem para reaver sua nação. Aram identifica-se bem mais com sua avó, sobrevivente traumatizada do genocídio, que canta para a neta canções de ninar que convocam a “fazer correr o sangue dos turcos”. Aram começa a se enredar na guerrilha armênia, planta uma bomba no carro de um diplomata turco – e a detona, apesar de ver que um rapaz inocente será atingido por ela.
Enquanto Aram foge para o Líbano, para treinar em uma célula terrorista, sua mãe se aproxima do rapaz que ficou gravemente ferido na explosão: Gilles (Grégoire Leprince-Ringuet) teve uma perna destroçada, está em uma cadeira de rodas e atravessa uma depressão terrível – largou a noiva e também a faculdade de medicina. Inconformado, Gilles quer saber o que levou Aram a colhê-lo assim em sua vingança. E Aram, à medida que os atos terroristas armênios escalam, sente todas as suas certezas fugirem – é impossível que seja certo uma vítima em busca de reparação fazer com que outros inocentes se tornem vítimas suas, angustia-se ele.
É típico de Gédiguian que ele consiga olhar com sinceridade todos os lados da questão (embora ele próprio esteja bem decididamente do lado da não-violência): não há como subestimar a dor dos armênios e seu desejo de justiça – nem há como negar que esse desejo tomaria um caminho violento um dia. Mas também é impossível justificar o que Gilles passou, ou as centenas de mortes provocadas pelos atentados a bomba dos terroristas armênios. Seja qual for o passado e as razões que ele parece proporcionar, defende Guédiguian, em algum momento é preciso abdicar da insanidade e buscar a razão. Em Uma História de Loucura, essa razão está no laço que vai se formando entre Gilles e a mãe de Aram – um vínculo feito de dedicação para compreender e avançar, e que, no desfecho belíssimo, já se transformou em afeto profundo. Guédiguian, que nasceu ele próprio em Marselha, descendente de armênios fugidos do genocídio, faz o que prega: é aos seus amigos turcos que ele dedica o filme.
Trailer
UMA HISTÓRIA DE LOUCURA
(Histoire de Fou)
França, 2015
Direção: Robert Guédiguian
Com Ariane Ascaride, Simon Abkarian, Syrus Shahidi, Grégoire Leprince-Ringuet, Razane Jammal, Robinson Stévenin, Serge Avedikian
Distribuição: Imovision
ansioso para vê.
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Acreditar em indivíduos é SEMPRE mais difícil do que acreditar em coletivos.
E frequentemente é IMPOSSÍVEL acreditar na humanidade de certos humanos. Ou mesmo na Humanidade como um todo.
Convivi por 10 anos com uma família de descendentes de armênios.
São pessoas EXTREMAS : na humanidade de uns e da desumanidade de outras.
E as vidas deles são uma tragédia armênia.
É uma historia de loucura.
Nunca aguentei.
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