É véspera de feriado…
Então já dê aquela relaxada com A Jovem Rainha Vitória
Nesta quinta-feira, Emily Blunt vai estar em cartaz com O Caçador e a Rainha do Gelo. Mas, embora ela seja uma das personagens-título (a rainha do gelo Freya, uma espécie de Elza do mal), o filme é bem mais de Chris Hemsworth e de Charlize Theron do que dela. Para ver aquilo de que Emily é capaz como atriz, é melhor esperar A Garota no Trem, que deve estrear aqui em 13 de outubro – ou revê-la em Sicario, No Limite da Amanhã, O Diabo Veste Prada, Meu Amor de Verão… ou em A Jovem Rainha Vitória, que está disponível no Netflix e é um filme bem mais inteligente do que o cartaz meloso faz supor (de quebra, tem Rupert Friend e Paul Bettany, de que gosto muito, além de vários outros atores de primeira). Leia a resenha que publiquei quando Vitória foi lançado para saber por que o roteirista Julian Fellowes (de Downton Abbey) e o diretor Jean-Marc Vallée (que depois faria O Clube de Compras Dallas e Livre) escolheram a lindíssima e elegantérrima Emily para o papel da muito feiosa rainha britânica da linhagem dos Saxe-Coburg und Gotha – que depois, durante a I Guerra Mundial, para dar uma disfarçada na sua origem alemã, seria rebatizada de Windsor, o nome que a família real inglesa tem até hoje.
A mulher sob a coroa
Em A Jovem Rainha Vitória, a matrona que governou a Inglaterra surge como uma moça impulsiva, passional e – cortesia da atriz Emily Blunt – até bonita
Em uma pintura de 1842, feita quatro anos após sua coroação, a rainha Vitória, então aos 22 anos, já não poderia ser descrita como uma moça bonita: apesar da boa vontade com que os pintores tradicionalmente atenuavam as deficiências estéticas dos personagens reais, os olhos saltados, o nariz proeminente e o queixo pequeno de Vitória formam um conjunto desarmônico, além de desproporcional em relação à silhueta robusta. Se nem a juventude a favorecia, que dizer então de sua foto mais conhecida, aquela feita em 1887, no aniversário de cinquenta anos de seu reinado: Vitória aparece como uma matrona vetusta, de queixo duplo, olhos pesados e orelhas estranhas, desafortunadamente realçadas pelos cabelos finos grudados no crânio. Só a pele, na mocidade e mesmo na idade avançada, se destaca pela fineza. À primeira vista, então, essa é a única particularidade que a soberana inglesa tem em comum com a atriz Emily Blunt, que a interpreta em A Jovem Rainha Vitória – e seria o caso de indagar por que Emily, com sua beleza radiante, teria sido escolhida para o papel de uma notória feiosa.
O próprio filme é a resposta a essa questão. Em uma atuação inteligente e delicadamente modulada para fixar em uma dimensão pessoal as imensas vagarias políticas que Vitória atravessou desde menina, a atriz consegue bem mais do que uma boa personificação. O que Emily oferece, na verdade, é um estudo perspicaz sobre uma jovem mulher aprendendo a flexionar seus músculos e a adivinhar a força e a agilidade que eles podem lhe conferir no confronto com o poder. É um retrato de época, já que só muito mais tarde, na segunda metade do século XX, os planos para mulheres publicamente influentes deixariam de ser traçados caso a caso, e sob tanta trepidação; mas, pela agudeza, serve também como um retrato universal, descolado de período, circunstância e sexo, da passagem de um jovem à independência.
Emily não atinge sozinha esse êxito. Parte, primeiro, do roteiro de Julian Fellowes, que escreveu Assassinato em Gosford Park e tem ouvido afinado para os semitons dos diálogos. Ao evidenciar mais as entrelinhas, assim, Fellowes abre espaço para que um brilho no olhar de um ator, ou um pequeno gesto, nunca passe despercebido. A direção de Jean-Marc Vallée (do cativante C.R.A.Z.Y.), por sua vez, valoriza cada um desses momentos segundo uma calibragem difícil – buscando atender à história verdadeira e à que seu filme quer contar. A Jovem Rainha Vitória é um rescaldo biográfico competente, que recupera com clareza passagens às vezes bizarras da política inglesa. Por exemplo, a crise parlamentar que a jovem rainha deflagrou ao desprezar as regras que deveriam vigorar na escolha de suas damas de companhia. A cada passo desses, entretanto, o filme revela um pouco mais do íntimo de Vitória. Que – ninguém suspeitaria pelos retratos – era uma mulher vigorosamente passional, nos afetos e também nos rancores, e no princípio cometeu várias burradas por confundir uns com outros. Crucial para que Vitória aprendesse a pôr suas paixões a funcionar em seu favor foi seu casamento com o príncipe Albert (Rupert Friend), que se provaria um excelente conselheiro. Albert entrara na corte de sua prima a mando do rei Leopoldo da Bélgica, para manobrá-la e espioná-la. Apaixonou-se perdidamente por ela (e foi loucamente correspondido). Vendo A Jovem Rainha Vitória, entende-se por quê. Bonita como Emily Blunt, ela não era mesmo. Mas, juntos, elenco, roteirista e diretor pintam dela um retrato dos mais instigantes, em que brio, ânimo e inteligência compõem uma forma nem um pouco menos convincente de beleza.
Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 16/06/2010
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2010
A JOVEM RAINHA VITÓRIA
(The Young Victoria)
Inglaterra/Estados Unidos, 2009
Direção: Jean-Marc Valée
Com Emily Blunt, Rupert Friend, Paul Bettany, Miranda Richardson, Jim Broadbent, Mark Strong, Thomas Kretschmann
Por trás de sua crítica se esconde um preconceito terrível. Afinal um homem só pode se apaixonar perdidamente por uma mulher se ela tiver algum atrativo físico, não é mesmo Isa? Francamente…
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Filme de sutilezas. Tema difícil. E uma crítica de cinema que é um breve estudo em miniatura sobre um filme que também se encarrega de estudar camadas finas de personalidade sob a pintura do retrato. Um caso de cartilha. Biscoito finíssimo.
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