Helen Mirren, Alan Rickman e Aaron Paul enfrentam os dilemas da guerra com drones
Se há um exercício que todo cineasta deveria fazer, é este aqui: comprimir um acontecimento complexo, do início ao fim, dentro das duas horas de um filme, criando a ilusão de que os eventos estão se desenrolando em tempo real. É um teste de lógica, encadeamento, ritmo e tensão. No caso de Decisão de Risco, que está entrando em cartaz esta semana, o exercício do diretor Gavin Hood sai muito benfeito, e também faz todo sentido: do momento em que a coronel britânica vivida por Helen Mirren acorda, em um determinado dia, até o instante final, o filme se ocupa de uma única operação militar – capturar em Nairóbi, no Quênia, os líderes de uma célula terrorista islâmica, um dos quais é uma cidadã inglesa que se radicalizou.
A ação é comandada pela coronel, de um centro de operações na Inglaterra, e pelo general interpretado por Alan Rickman (em seu último papel), que está em outro ponto de Londres em companhia do procurador-geral e de membros do gabinete do primeiro-ministro. Será executada a partir de uma base da Força Aérea americana no deserto de Nevada, pelo piloto de drone feito por Aaron Paul. E envolve ainda forças quenianas, que agirão em terra. Gavin Hood tem aí um primeiro interesse óbvio, que é o de mostrar como funciona a guerra remota (e não sei dizer se existem microdrones como o besourinho pilotado por Barkhad Abdi, o pirata de Capitão Phillips, mas que ele é bacanérrimo, isso é mesmo).
A certa altura, porém, o que já era complicado vira um verdadeiro cipoal: os terroristas se deslocam para uma outra casa na periferia de Nairóbi – um movimento que não se previa. Nessa casa, enquanto eles se reúnem, dois homens vão sendo preparados para um atentado suicida com coletes explosivos. No entender da coronel e do general ingleses, a natureza da operação acaba de ser alterada: ela deixou de ser captura e passou a ser de eliminação (leia-se, despejar um míssil Hellfire na cabeça dos terroristas). Políticos angustiam-se, especialistas jurídicos são convocados, e a responsabilidade pela decisão ricocheteia para lá e para cá na cadeia de comando, enquanto analisa-se se o dano colateral (ou seja, o número de inocentes que serão feridos e/ou mortos por estar nas redondezas do alvo) está dentro dos limites previstos no protocolo.
Desde o início de Decisão de Risco, porém, sabe-se que esse cálculo não vai ser impessoal. O diretor apresenta com muito cuidado, já nas primeiras cenas, uma personagem que parece não ter relação imediata com os fatos: uma menina nigeriana dos seus 8 anos de idade que brinca com o bambolê feito por seu pai escondido dos vizinhos (a periferia em que eles moram é um reduto de fundamentalistas islâmicos) e, todos os dias, dá a volta no quarteirão para ir vender os pães que sua mãe faz. Quando os terroristas mudam seus planos, a menina Alia (Aisha Takow) entra direto no raio de fogo do míssil. Como ironiza o personagem de Alan Rickman, ninguém se afligiria tanto com o dano colateral se ele não incluísse uma garotinha adorável – mas o fato é que a garotinha é adorável, e que todos os envolvidos na operação estão com os olhos grudados nela, acompanhando cada movimento. Alia passou a ter uma identidade para eles, e matar alguém que se conhece é muito mais difícil do que matar anônimos sem rosto.
O sul-africano Gavin Hood (que interpreta no filme o superior do piloto do drone) gosta de filmes tópicos, sobre assuntos do momento. Tratou da violência juvenil na Johannesburgo pós-apartheid em Infância Roubada, por exemplo, e da tortura semi-legal de suspeitos de terrorismo em O Suspeito, com Jake Gyllenhaal. Com Decisão de Risco, ele consegue seu melhor resultado até aqui – inclusive na discussão da hipocrisia que cerca a guerra de propaganda que acompanha a guerra ao terrorismo. No gabinete em que estão o general e os ministros, a discussão é, no fundo, se mais vale enfrentar a repercussão negativa de matar uma menina e assim evitar uma catástrofe, ou se seria melhor deixar os terroristas matarem oitenta inocentes e ficarem eles com o ódio do público.
Trailer
DECISÃO DE RISCO
(Eye in the Sky)
Inglaterra, 2015
Direção: Gavin Hood
Com Helen Mirren, Alan Rickman, Aaron Paul, Barkhad Abdi, Aisha Takow, Babou Ceesay,Jeremy Northam, Monica Dolan, Gavin Hood
Distribuição: Paris Filmes