Um cazaque louco dirige Angelina, Morgan Freeman e James McAvoy
Em agosto deve ser lançado o Ben-Hur do Timur Bekmambetov, com Jack Huston como Judah Ben-Hur e Rodrigo Santoro como Jesus, e mal posso esperar: mesmo considerando que não entendi patavina de Guardiões do Dia e Guardiões da Noite, acho Timur um cineasta super especial – além de muito peculiar, digamos assim. Bekmambetov é um fatalista realista (as coisas são o que são, e em geral não são boas), é também um niilista desencanado (ou seja, não acredita em nada, mas não sofre com isso), e tem um estilo visual voluptuoso, exuberante e muito particular.. Se você nunca viu O Procurado, que está disponível no Netflix, prepare-se para um choque de originalidade (e procure Chris Pratt numa pontinha).
Peculiar, também, é a trajetória dele, ao menos para os padrões ocidentais: Bekmambetov, que está com 54 anos, foi criado no Cazaquistão quando o país ainda era uma república soviética; estudou engenharia na Universidade Energia de Moscou, desistiu e foi aprender pintura no Instituto de Arte de Tashkent, no Uzbequistão; alistou-se no Exército Vermelho e serviu no Turcomenistão; virou diretor de publicidade; e aí, depois dos Guardiões, fez O Procurado e o meu favorito até aqui, Abraham Lincoln – Caçador de Vampiros. Não tenho ideia do que ele vai fazer da história de Ben-Hur, mas tenho certeza de o filme não vai se parecer em nada com o de 1959.
Leia a seguir a resenha que escrevi em 2008, quando o filme foi lançado.
Rodado em Hollywood, à moda russa
Em O Procurado, o diretor Timur Bekmambetov finge fazer um filme de ação típico – mas orquestra um caos de violência quase medieval
Para quem se pergunta o que significa exatamente a diferença de “sensibilidade” palpável no cinema originário de latitudes diversas, O Procurado é um exemplo dos mais ilustrativos. Para todos os efeitos, trata-se de um filme de ação como a maioria dos que Hollywood gosta de produzir: é baseado num quadrinho, tem um visual hipercinético e um enredo fantasticamente tolo (há 1 000 anos, uma guilda de tecelães – sim, tecelães – se constituiu numa confraria de assassinos cujo lema é matar um para salvar muitos) e combina astros consagrados, como Angelina Jolie e Morgan Freeman, a nomes ascendentes, como James McAvoy, de Desejo e Reparação. Mas O Procurado é dirigido pelo russo Timur Bekmambetov – um sucesso em sua pátria graças aos filmes de vampiros Guardiões da Noite e Guardiões do Dia – e, por causa dele, resulta em algo que apenas finge se encaixar em uma fórmula, causando choque, estranheza e não pouca admiração.
Essa sensação surge desde o início, em que McAvoy se apresenta como Wesley Gibson, o entediado, estressado e traído (pela namorada, com o melhor amigo) contador de um escritório de Chicago, flagrado no extremo sofrimento de ter de comemorar o aniversário da chefe obesa. A situação é comum – mas o sadismo com que Bekmambetov a retrata não o é, o que contribui para que se aceite o absurdo que vem a seguir. Segundo Angelina e Freeman informam ao rapaz, ele é filho do melhor de todos os assassinos da confraria, que acaba de ser, bem, assassinado por um integrante rebelde da equipe. Como o cargo é hereditário, inclusive no sentido genético, o medroso Wesley tem no sangue a capacidade de disparar balas curvas e captar movimentos em milionésimos de segundo. Caberá a ele, portanto, executar o insurgente. Desde que se submeta a Angelina (fácil) e ao treinamento (nem tanto), composto de surras e atos semi-suicidas e realizado numa tecelagem que abriga também, sem maiores explicações, um açougue.
Como já se vira em seus filmes anteriores e se confirma aqui, Bekmambetov nutre um despreocupado oblívio por convenções como nexo ou proporção entre causa e efeito. É dono de um talento visual exuberante, casado à alegria palpável de poder agora destruir e arrasar em escala capitalista, e a uma perspectiva residualmente soviética do valor da vida (aos 47 anos, o diretor é um veterano da publicidade e também de outros tempos, que, aliás, não são assim tão diferentes dos novos tempos em seu país de origem). O Procurado, ao contrário do habitual, nunca poupa os inocentes que porventura estejam no meio de um tiroteio ou dentro de um trem que vá descarrilar. Bekmambetov arrasta a todos para o caos, em cenas informadas por séculos de uma convivência íntima, bruta e física com a violência. Esse é um traço que, embora mais exaltado nele, é comum a muitos outros cineastas que despontaram dos escombros da União Soviética: uma violência tão crua e cheia de dor, tão medieval, por assim dizer, que mesmo espectadores já inoculados pelo cinema de ação se sentem impelidos a desviar o olhar. Daí o choque e a admiração que Bekmambetov é capaz de provocar – para alguém que se utiliza da violência como entretenimento, ele é singularmente vívido em demonstrar quanto ela é insana.
Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 20/08/2008
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2008
O PROCURADO
(Wanted)
Estados Unidos/Alemanha, 2008
Direção: Timur Bekmambetov
Com Angelina Jolie, James McAvoy, Morgan Freeman, Terence Stamp, Thomas Kretschmann, Common, Konstantin Kabenskiy, Marc Warren, Dato Bakhtadze
Muito bom Isabela você esta relembrando esses filmes. Eu, como você, acho Indomáveis e O procurado sensacionais . Continue fazendo isso!
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Ok, não comento todos. Mas leio todos.
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