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Mia Madre

Órfãos de uma certa idade.

Uma constatação desconcertante da chegada à meia-idade é que espera-se que a perda de um pai ou de uma mãe pareça natural, aceitável e parte do curso dos acontecimentos. Na teoria, faz sentido. Na prática, vá dizer isso aos seus sentimentos, e boa sorte em tentar se entender com eles.

O diretor italiano Nanni Moretti já havia tratado da morte em família antes, em um filme cheio de desespero e de luto fechado – naturalmente, já que O Quarto do Filho (leia aqui a resenha), de 2001, tratava da perda súbita de um filho na adolescência, que é a subversão máxima da ordem da vida. Em Mia Madre, ele retoma o assunto pelo seu extremo oposto, o da ordem programada das coisas: os irmãos Giovanni (o próprio Moretti) e Margherita (Margherita Buy), ambos de meia-idade, acompanham o declínio da mãe à espera do desfecho inevitável. O tom é discreto, quase casual, sem rompantes nem erupções de emoções: é preciso lidar com a circunstância da melhor maneira possível, é necessário tratar de todas as suas implicações práticas (quem paga as contas da mãe, quem é que vai passar a noite com ela no hospital hoje), tem-se de confortar a pessoa que está partindo.

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Mas, embora Giovanni e Margherita atentem a todos esses protocolos, eles estão ambos perdendo o seu eixo. Margherita, que é cineasta, está fazendo um filme sobre uma greve numa fábrica, mas a esta altura já não sabe dizer por que quis fazer justamente esse filme nem por que raios decidiu chamar o astro americano fanfarrão Barry Huggins (John Turturro, em uma interpretação tocante) para protagonizá-lo. Todas as tarefas lhe parecem imensas, instransponíveis. Giovanni, por sua vez, tirou licença do emprego para ficar junto da mãe. “Não consigo pensar em mais nada”, diz ele à irmã. Margherita interpreta o afastamento do trabalho como uma prova do altruísmo do irmão, sem perceber a profundidade da crise pessoal que ele denota. E vê aí também um indício – mais um indício – de que ela deixa a desejar como filha e como mulher: sente-se infantil, inadequada, incapaz de se dedicar aos outros. Sente, mais do que tudo, que deixou a vida escapar.

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Nanni Moretti é verdadeiramente admirável: alimentando o grande cineasta que ele é está o homem desassombrado, que olha as insuficiências humanas com uma nudez que invariavelmente me pega desprevenida. O Quarto do Filho terminava em um momento imprevisto: o pai do adolescente morto, que também era interpretado por Moretti, percebia que seu luto se tinha tornado menos espesso – um momento de total desorientação entre o alívio e a culpa. Mia Madre, de novo, mostra o reverso: como mesmo um homem e uma mulher na casa dos 50 anos, que construíram uma vida rica, podem sentir que sua identidade está ruindo à medida que sua mãe vai morrendo. Se Giovanni e Margherita estivessem desabando por fora, eu não acreditaria no filme. Como eles estão desmoronando por dentro, acredito nele integralmente.


Trailer


MIA MADRE
Itália/França, 2015
Direção: Nanni Moretti
Com Margherita Buy, John Turturro, Nanni Moretti, Giulia Lazzarini
Distribuição: Califórnia Filmes

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