O fim do mundo, aqui e agora.
Ontem eu fiz um post sobre The Walking Dead; hoje, eu pergunto: e se você olhasse em volta e o apocalipse de fato já estivesse acontecendo? Se, em todos os lados, você só visse o fim do mundo, e o pesadelo fosse real?
É essa a sensação que tive em Sicario, o novo filme do provocateur Denis Villeneuve. É essa também a sensação da agente da SWAT Kate Mercer (Emily Blunt). Ao estourar um “aparelho” do tráfico no deserto do Arizona em busca de duas pessoas sequestradas, Kate e sua unidade encontram uma cena grotesca: entre as paredes da casa, escondidos pelo dry-wall, cadáveres às dezenas aguardam sua descoberta – todos de pé, lado a lado, como um coro que tem algo de terrível a anunciar. Quem viu outros filmes de Villeneuve, como Incêndios ou Os Suspeitos, sabe que esse é o tipo de horror que ele é mestre em conjurar – e, no qual, aqui, ele é magnificamente auxiliado pela fotografia de Roger Deakins. É verdadeiramente uma barbaridade. Kate está tão chocada que, sem refletir, ela no mesmo dia se junta a uma força-tarefa formada por sabe-se lá quais agências governamentais, com sabe-se lá qual propósito, exatamente. Pelo cinismo de Matt Graver (Josh Brolin), o agente que comanda a força-tarefa, não há de ser boa coisa. Pelo jeito soturno de Alejandro (Benicio Del Toro), o sujeito enigmático que acompanha Graver, pode-se ter certeza: vai ser pior ainda do que Kate imagina.
Denis Villeneuve jurou de pés juntos em várias entrevistas que Sicario nada tem a ver com o Traffic de Steven Soderbergh; são mera coincidência o tema e o cenário (o narcotráfico na fronteira México-Estados Unidos) e a escalação de Benicio Del Toro. Pois pode continuar negando: Sicario é Traffic quinze anos depois – quinze anos em que os cartéis só fizeram expandir tanto seus negócios quanto sua selvageria, em que o combate a eles só fez se intensificar sem se tornar mais eficaz, em que gente que se acha da paz no mundo todo continua a promover, com seu nariz, um dos ramos criminosos mais bárbaros, cruéis e destrutivos da história da humanidade.
Que cara teria Traffic hoje? A cara de Sicario: uma guerra às drogas que, na pressão por resultados, vai se tornando tão corrupta quanto o alvo que ela quer combater. Benicio Del Toro, o policial mexicano que em Traffic tinha o coração tão no lugar certo? Não é impossível que, em algum ponto desse caminho, ele tivesse se transformado no Alejandro de Sicario. Até na linguagem Sicario é irmão de Traffic – na luz acachapante da fronteira e na câmera sempre contígua aos personagens, como se a ação estivesse sendo apanhada ali, no momento, com todo o imprevisto e a volatilidade dele.
Uma coisa, porém, falta a Villeneuve em comparação com Soderbergh: uma certa discrição. Quanto ele parte para o choque e o drama, ele vai com tudo – e, em vez de aumentar o impacto de certas cenas com esse ímpeto todo, faz com que elas ganhem um quê de programado e manipulativo. Villeneuve está no seu melhor não nesses instantes de resolução dramática, mas sim quando se deixa levar por seus excelentes atores para o caos, para a vertigem e o nervosismo que eles estão sentindo. Apesar dessa ressalva, é um belíssimo trabalho. Mas ele ganha ainda mais sentido para quem viu Traffic (lá vou eu de novo) e tem ainda na memória a cena final do filme de Soderbergh. Compare-a à cena final de Sicario, e daí me diga: é uma “continuação”, por assim dizer, ou não é?
Trailer
SICARIO – TERRA DE NINGUÉM(Sicario)Estados Unidos, 2015Direção: Denis VilleneuveCom Emily Blunt, Benicio Del Toro, Josh Brolin, Victor Garber, Daniel Kaluuya, Jon Bernthal, Jeffrey Donovan, Raoul Trujillo, Julio CedilloDistribuição: Paris Filmes
Adoro a Isabela Boscov! Foi uma das pessoas que me tiraram das trevas, assim com o Maurício Saldanha, quando o assunto é cinema. Muito obrigado por voltar com suas críticas.
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Uau, Diego, trevas?!!?? Rs rs. Mas eu é que agradeço por você estar aqui no blog.
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Esse fim de semana vou fazer uma retrospectiva Denis Villeneuve para me preparar. E já vi que é bom incluir “Traffic”. 😉
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Torcendo muito para que seja bom , pois achei “Os Suspeitos” previsível e pretensioso demais.
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Depois de “Incêndios” e “Os Prisioneiros” não perco mais nenhum filme do Denis. Eu gosto desse “Q” almodovariano que ele tem. Isabela, cadê os vídeos novos? Rsrs.
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Uzi, hoje mesmo entrar no ar o primeiro vídeo!!
Mérito seu, que me encorajou tanto…
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Nossa, agora fiquei feliz em saber que te encorajei. E eu não perco um vídeo. Por sua causa eu fui assistir o 007 Spectre.
Odiei o filme quase todo, mas fiquei fascinado com a sequência no Centro Histórico da Cidade do México, tanto que duas semanas depois viajei pro México e o primeiro ponto turístico que visitei foi justamente o Centro Histórico… E agora advinha quem encontrei na porta da catedral… O Pedro Pascal, rsrs. Já o tinha encontrado no mesmo voo, mas só dessa segunda vez que tive coragem de falar com ele. E a coincidência é que achei o seu blog através da série Narcos. Olha como você acaba fazendo parte da minha vida. rsrsrs.
Por isso que eu entendo a curiosidade da menina em perguntar o seu signo. Querendo ou não, você se tornou uma nova espécie de crítica, que é a crítica celebridade. (Black Mirror explica).
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Nossa, agora fiquei feliz em saber que te encorajei. E eu não perco um vídeo. Por sua causa eu fui assistir o 007 Spectre.
Odiei o filme quase todo, mas fiquei fascinado com a sequência no Centro Histórico da Cidade do México, tanto que duas semanas depois viajei pro México e o primeiro ponto turístico que visitei foi justamente o Centro Histórico… E agora advinha quem encontrei na porta da catedral… O Pedro Pascal, rsrs. Já o tinha encontrado no mesmo voo, mas só dessa segunda vez que tive coragem de falar com ele. E a coincidência é que achei o seu blog através da série Narcos. Olha como você acaba fazendo parte da minha vida. rsrsrs.
Por isso que eu entendo a curiosidade da menina em perguntar o seu signo. Querendo ou não, você se tornou uma nova espécie de crítica, que é a crítica celebridade. (Black Mirror explica).
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Ah, Isabela, e tenho muita curiosidade em saber: qual é o seu signo?
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Xi, André, não sou muito de falar coisas pessoais no blog… Mas é um signo de Terra, vai. 😀
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Excelente análise, Isabela. Estou louco pra assistir esse filme.
(Mal posso esperar pra ver o que vai ser de sua resenha sobre A Visita, o novo do Shyamalan).
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Obrigada, André. De signo eu não falo, mas uma coisa já adianto para você: não tenho coisas muito boas a dizer sobre A Visita não.
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