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EM “DÍVIDA DE HONRA”, UMA BELEZA BRUTAL

Em atuações excepcionais, Hilary Swank e Tommy Lee Jones – ele também diretor e roteirista – invertem os sinais do Velho Oeste

Em seu canto de Nebraska, em 1854, a fazendeira Mary Bee (Hilary Swank, excelente) é um modelo de autossuficiência, diligência, moral e higiene. Findo o trabalho duro na terra, todos os dias, ela toca notas que só pode ouvir em sua cabeça, usando uma tapeçaria bordada como um piano: Mary Bee vive propondo casamento aos homens das redondezas, mas ninguém quer se casar com uma mulher tão assustadoramente capaz. Tanto, na verdade, que é a única que se dispõe a fazer um dificílimo trajeto de semanas para reconduzir à civilização três mulheres que enlouqueceram com a pobreza, o isolamento e o inverno de Nebraska.

Mary Bee alista como seu ajudante o vagabundo George Briggs (Tommy Lee Jones, também diretor e roteirista, e ator como sempre excepcional), que ela salvou da forca mas que não lhe retribui com gratidão: George é, como todos ali, vítima de uma vida tão brutal que se divorciou de seus sentimentos. Ou quase; no percurso, ele e Mary Bee formarão uma conexão tênue e de desfecho terrível. Como em outro magistral trabalho seu na direção, Três Enterros (2005), Tommy Lee Jones inverte os pontos de vista clássicos do western para desconstruir e rearranjar seus significados. O resultado é de uma beleza devastadora.

(The Homesman, Estados Unidos/França, 2014)

Publicado originalmente na revista Veja em 25/03/2015

EM “NO VALE DAS SOMBRAS”, UM NOVO ABISMO

Tommy Lee Jones e Charlize Theron mergulham, à distância, no horror da Guerra do Iraque neste drama devastador feito “a quente” pelo diretor Paul Haggis

No devastador No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, Estados Unidos, 2007), Tommy Lee Jones é um militar aposentado que procura pelo filho: em licença numa base americana depois de um período no Iraque, o rapaz não só deixou de se reapresentar ao pelotão, como parece ter sumido da face da Terra. Em alguns dias, será declarado desertor. O pai, Hank, conversa com os amigos e os superiores do filho, liga para velhos companheiros pedindo ajuda, vai à polícia – e encontra apenas evasivas ou desinteresse. Numa visita ao alojamento do desaparecido, surripia o celular deste, onde encontra fragmentos de imagens feitas durante ações. Tommy Lee Jones é um mestre da introversão e, quanto menos ele fala, mais o espectador se conecta ao seu pressentimento de que algo terrível aconteceu. Quão imensamente terrível, porém, é algo que só saberá ao final da investigação conduzida por Hank e pela detetive de polícia Emily (Charlize Theron, numa grande atuação). O novo filme do diretor Paul Haggis representa um colossal salto dramático em relação ao ultramanipulativo Crash. Haggis usa a forma do whodunit, em que se tenta identificar o autor de um crime, para chegar a um culpado bem mais incontrolável do que este ou aquele homem: a guerra. Não a guerra como entidade genérica, mas esta guerra, a do Iraque, com suas especificidades. No Vale das Sombras é um dos primeiros filmes a fazer tal indiciamento, mas não será um dos únicos. Num fenômeno sem precedentes no cinema americano, o conflito no Iraque começa a originar produções em número suficiente para constituir desde já um gênero.

Das sugestões tanto de sofrimento quanto de sadismo contidas nas imagens do celular do soldado desaparecido à relutância do comando militar em que se apure o seu paradeiro – além da má vontade da polícia local, cansada dos problemas com combatentes em licença –, o cenário que o diretor e seus dois protagonistas desenham é perturbador: um cenário em que o travo de ilegitimidade que paira sobre essa guerra transforma a própria natureza dos homens que vão lutar nela, fazendo deles seres irreconhecíveis no front e párias em casa. Hank, que lutou no Vietnã, não compreende como algo tão monstruoso possa ter acontecido a seu filho, e com ele. A conclusão a que No Vale das Sombras assoma, então, não é que o Iraque seria um novo Vietnã. É que pode estar sendo ainda pior do que ele.

Publicado originalmente na revista Veja em 14/11/2007