Ex-galã arrasou na série “Penny Dreadful”, mas está difícil reengatar a carreira
Promessa do hóquei no gelo, Eric LeMarque (Josh Hartnett) foi vencido pela sua rebeldia, largou o esporte e se viciou em metanfetamina. Virou um desses casos aparentemente irrecuperáveis, e por mais que sua mãe (Mira Sorvino) reze – e como ela reza -, nem o acidente feio que ele provocou nem o compromisso de comparecer perante o juiz dentro de seis dias parecem tê-lo tirado da sua espiral. Eric está se esforçando, à sua moda: sozinho num chalé no meio das montanhas, ele tenta e tenta não cheirar cristal, mas aí vai e cheira. Quando está perto de ficar louco demais, agarra o snowboard, pega uma carona e vai para a pista de esqui. De tão pilhado, nem dá bola para a tempestade feia que se aproxima, e ainda decide pegar uma trilha não-mapeada. E aí, claro, vem a desgraça. Perdido na neve, sem comunicação, sem comida, sem água, meio morto de frio e sem fósforos para acender uma fogueira – mas com o estoque de cristal no bolso -, Eric , pelo jeito, se arruinou de vez. Em filmes como O Poder e o Impossível (já em cartaz), porém, a toda desgraça se segue uma iluminação e uma superação. Neste caso, ambas têm alto teor religioso. E baixíssimo teor cinematográfico: embora tenha cenas bonitas de natureza (o diretor, Scott Waugh, é um dublê e cinegrafista de segunda unidade experiente), o filme é canhestro. O roteiro é rudimentar, as atuações – excetuando-se a de Hartnett – são constrangedoras, e o saldo é piegas. Nada contra a mensagem de O Poder e o Impossível; só contra o fato de que, como tem acontecido com a maioria dos filmes evangélicos até aqui, eles se preocupam muito mais em ser evangélicos do que em ser filmes, quando poderiam ser as duas coisas.
Fico chateada com esse resultado ruim por causa de Josh Hartnett. Na virada dos anos 1990 para os 2000, tentaram lançá-lo como um galã atlético na linha que seguiam então Matthew McConaughey e Ben Affleck (com quem, aliás, ele dividiu a cena em Pearl Harbor). Mas ele nunca se encontrou direito nesse formato. Meio a esmo, sempre tentou achar coisas mais sérias ou meditativas. A sorte não ajudou: filmes que deveriam ter sido bons se provaram fracos (como Dália Negra, de Brian De Palma), e papéis que deveriam ter chamado a atenção para ele foram eclipsados por outras atuações (como em Sin City). A essa altura, já estava consolidada a impressão de que Hartnett era um ator não muito marcante nem muito versátil.
E então veio Penny Dreadful, a magnífica série de horror passada na Inglaterra vitoriana, em que Josh Hartnett tinha uma relação complicada, e profundamente comovente, com a maravilhosa Eva Green. Em três temporadas, entre 2014 e 2016, Hartnett dispersou todas as impressões que eu tinha dele e criou outras novas, infinitamente mais positivas: como o americano Ethan Chandler que, vivendo em exílio em Londres, sofre manifestações de uma criatura violenta em seu interior, Hartnett fez um trabalho lindíssimo – cheio de nuances e de imprevistos, e cheio de personalidade também, coisa de ator que achou de vez o seu passo. Agora vai, pensei; finalmente Hartnett vai ter a carreira que quis. E que, afinal, merece.
Mas, sabe-se lá por qual razão, tudo parece ter voltado ao estado em que estava antes. A Penny Dreadful seguiram-se um papel secundário em um melodrama (Amor em Tempos de Guerra), um filme japonês bem bacana mas pouco visto (Oh Lucy!) e este O Poder e o Impossível, em que ele faz um trabalho sério e mantém a dignidade apesar das circunstâncias desfavoráveis. Entre os próximos papéis dele (que são muitos; não falta trabalho a Hartnett, apenas lhe faltam trabalhos bons de verdade), só há incógnitas – filmes que podem ir para lá ou para cá, mas que, no geral, não parecem destinados a ter grande projeção. Ainda não perdi a esperança, porém. Em algum momento, alguém vai lembrar de como Hartnett foi bom em Penny Dreadful, e do que ele é capaz. E aí, quem sabe, a coisa vai.
Trailer
O PODER E O IMPOSSÍVEL
(6 Below: Miracle on the Mountain)
Estados Unidos, 2017
Direção: Scott Waugh
Com Josh Hartnett, Mira Sorvino, Sarah Dumont
Distribuição: Imagem Filmes