“Comédia-cordel” enche os olhos, mas carece de ligeireza
Presente no folclore brasileiro, português e ibero-americano em geral, Pedro Malasartes é o matuto cheio de astúcia e de manhas, que trapaceia a todos e se safa sempre com um novo expediente e também com sua graça – e, encarnando esse tipo, Mazzaropi fez uma carreira de sucesso sem paralelo no cinema nacional (sem paralelo mesmo; nem os Trapalhões venderam tanto ingresso quanto Mazzaropi). Na produção dirigida por Paulo Morelli, do filme e série Cidade dos Homens, porém, Malasartes entra na toada da “comédia-cordel” – um jeito de batizar o gênero em que, nos anos 2000, Selton Mello e o diretor Guel Arraes formaram uma dupla invencível com filmes como O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. O saldo, no entanto, deixa a desejar: apesar da boa ideia de ressuscitar um tipo tão brasileiro, ao mesmo tempo ingênuo e malandro, Malasartes e o Duelo com a Morte ensaia várias decolagens, mas não alça voo de fato.
Interpretado por Jesuíta Barbosa com um tiquinho mais de simplicidade do que seria desejável, Malasartes está na mira do furioso Próspero (Milhem Cortaz), a quem deve dinheiro e nunca paga. Malasartes, além disso, anda enrabichado pela formosa Áurea (Isis Valverde), irmã de Próspero, mas a enrola sem nenhuma intenção séria. Sua aposta para resolver os problemas está na visita que seu padrinho lhe fará naquele dia, seu aniversário de 21 anos. Malasartes nunca viu o padrinho, e sabe apenas que ele é algum tipo de figurão. Nem imagina quanto: trata-se, na verdade, da Morte (Júlio Andrade), que 2 000 anos antes roubou de um trio de mulheres, as Parcas, o direito de ceifar vidas, mas agora cansou-se da atribuição. Seu plano é que o afilhado o substitua. Nem as Parcas lideradas por Vera Holtz nem o assistente da Morte, o acovardado Esculápio (Leandro Hassum), gostam da ideia. Preferiam ficar eles mesmos com a incumbência, e vão assim tentar sabotar as tramoias da Morte – enquanto, do lado de lá, Malasartes se aproveita dos poderes que o padrinho lhe conferiu para ganhar uns trocados não muito honestos.
Em suma, é um cenário um bocado intrincado esse que o filme tem de armar. Mas, curiosamente, ele rende pouco enredo. Com tanta coisa a explicar, Malasartes se alonga nos trechos passados no reino da Morte (aliás, criado com efeitos bons e bonitos), que são meio aborrecidos. E daí tem de passar correndo pela parte da trama ambientada na roça, na qual Malasartes arma suas confusões e trapaças – justamente a parte mais atraente e divertida, e a razão de ser do filme. Encher os olhos da plateia com visual bacana não é má ideia, claro. Mas, no frigir dos ovos, o que ela gostaria mesmo é de ser entretida com o humor e a manha dos personagens (e aí se destaca o meigo e crédulo Zé Candinho de Augusto Madeira), e a esperteza e a ligeireza dos diálogos. Não é por outra razão que, de Mazzaropi a Compadecida, passando por tantas outras criações do cinema nacional, o público nunca parou de achar graça nos finórios de bom coração.
Trailer
MALASARTES E O DUELO COM A MORTE
Brasil, 2017
Direção: Paulo Morelli
Com Jesuíta Barbosa, Isis Valverde, Júlio Andrade, Milhem Cortaz, Vera Holtz, Augusto Madeira, Leandro Hassum, Julia Ianina, Luciana Paes e a narração de Lima Duarte
Distribuição: Paris Filmes