Sing Street – Música e Sonho

Em vez de perder mais tempo discutindo se La La Land é bom ou ruim, seja construtivo: assista a esta delícia do diretor de Apenas Uma Vez

É uma filosofia diferente da de La La Land: nos musicais do diretor irlandês John Carney, ninguém arrisca um passo de dança sequer, e a música não é apenas um veículo para a expressão dos personagens – ela é o que eles fazem da vida, e o que mais importa para eles. Repare que eu não disse que ela é tudo que importa; é o que, feitas as contas, mais importa. Assim, no minúsculo Apenas Uma Vez (Once, no original), com o qual Carney estourou em 2007, um músico de rua de Dublin e uma pianista checa que está vivendo de bicos se conhecem, se apaixonam, compõem e tocam juntos (a canção Falling Slowly ganhou o Oscar), e aí as coisas dão meio errado – mas a música fica. Em Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again), de 2013, a compositora vivida por Keira Knightley sobra para escanteio quando seu namorado vira rockstar, grava músicas na rua com o produtor caído em desgraça interpretado por Mark Ruffalo, e aí cada um segue seu caminho – mas a música fica. Já Sing Street, que está disponível na Netflix e também no NOW, mostra de onde a música vem – da paixão fulminante da adolescência.

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Sing Street é bem autobiográfico:o filme  se passa na Dublin sonolenta e em pindura geral de 1985, quando o sonho de todo garoto ou garota era pegar o barco e fugir para Londres. Conor (Ferdia Walsh-Peelo), de 14 anos, teve de se mudar para um colégio de padres meio barra-pesada, porque sua família está sem um tostão. Seu pai e sua mãe (Aidan Gillen e Maria Doyle Kennedy) brigam sem parar. Seu irmão mais velho (Jack Reynor, que é a cara de Chris Pratt) largou a faculdade e não sai mais do quarto; só fuma maconha e ouve música o dia inteiro. E Conor é atingido por dois raios ao mesmo tempo: os discos do irmão e os olhos da misteriosa Raphina (Lucy Boynton), uma mulher mais velha e experiente – ela tem 17 anos – com sonhos de virar modelo, e que Conor tenta impressionar mentindo sobre ter uma banda.

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Para continuar a sedução, portanto, é preciso tornar verdadeira a mentira, e montar a banda. Raphina é a estrela de todos os videoclipes que eles gravam (em 1985, videoclipe era uma linguagem “nova” e “revolucionária”). E, como os garotos estão começando a conhecer as bandas dos anos 80 e se deslumbram com cada uma que ouvem, todo dia eles mudam de estilo – e Conor acompanha a coisa mudando de visual. Uma manhã ele chega no colégio imitando Robert Smith do Cure, na outra vai de Spandau Ballet, na seguinte de Duran Duran, depois de Paul Weller do The Jam, e por aí vai. É uma graça, e tem tudo a ver: é exatamente isso que a gente fazia nos anos 80, copiar (geralmente meio mal) o visual da banda pela qual estivesse apaixonado naquela semana.

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O que é mais bacana em Sing Street é que ele tem essa nota de nostalgia, mas não sentimentaliza nem fantasia além da conta – a adolescência é maravilhosa e é também um terror, em geral simultaneamente. A trilha sonora, nem preciso dizer, é deliciosa. Os videoclipes da banda de Conor são de morrer de rir. E o elenco é todo ótimo, mas, além de Ferdia Walsh-Peelo, vou destacar Jack Reynor (que é americano!) e Mark McKenna, que faz o multiinstrumentista da banda. Enfim: um filme redondo, divertido, bem escrito e bem-feito. E que nem passou perto do cinemas brasileiros.


Clip


SING STREET – MÚSICA E SONHO
(Sing Street)
Irlanda/Inglaterra/Estados Unidos, 2016
Direção: John Carney
Com Ferdia Walsh-Peelo, Lucy Boynton, Jack Reynor, Mark McKenna, Ben Carolan, Percy Chamburuka, Aidan Gillen, Maria Doyle Kennedy

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