O estupendo Mark Rylance no meu garimpo desta semana.
É uma tristeza que uma minissérie como Wolf Hall tenha de entrar aqui no blog como garimpo – dói no coração dos anglo-obsessivos e Tudor-maníacos como eu que ela tenha ganhado tão pouca atenção aqui. Mas a ótima notícia é que ela está no acervo do Netflix.
A minissérie da BBC condensa Wolf Hall e O Livro de Henrique, os dois livros já lançados pela inglesa Hilary Mantel sobre Thomas Cromwell, que se tornou o principal conselheiro de Henrique VIII no início da década de 1530, quando o rei decidiu se divorciar de sua primeira mulher, Catarina de Aragão, para se casar com Ana Bolena. (Mantel ainda vai lançar um terceiro livro, no qual deve fechar o ciclo Cromwell na corte Tudor).
A produção é belíssima, cheia de veludos, ambientes magníficos e luzes invernais, e os atores são todos excelentes, do maior papel à menor ponta. Mas não se engane com a embalagem, e pode ir esquecendo bobagens pseudo-históricas como Os Tudors e A Outra: o negócio aqui não são os supostos assanhamentos de Henrique VIII. São as intrigas habilíssimas e também perigosíssimas (para o pescoço dele, principalmente) que Thomas Cromwell conduziu para separar Henrique (Damian Lewis) da espanhola e carola Catarina de Aragão (Joanne Whalley) e costurar um acordo com a ambiciosa e nervosíssima Ana Bolena (Claire Foy, a melhor de todas as Bolenas do cinema e da TV).
Henrique VII precisava desesperadamente de um herdeiro, e Catarina só lhe dera a filha Mary Tudor, tão espanhola e carola quanto a mãe. Henrique tinha horror à ideia de que ela assumisse o trono. Thomas Cromwell viu no imbróglio oportunidades magníficas: primeiro, de livrar a Inglaterra do jugo da então poderosíssima Espanha, do Vaticano e do catolicismo (ele era secreta mas ativamente pró-Reforma protestante). Depois, de dar ao país um projeto político moderno e aumentar drasticamente seu peso no cenário global. Para conseguir tudo isso, Cromwell necessitava acumular poder em quantidades extraordinárias. E foi o que fez. O mais curioso de tudo: Cromwell era filho de um ferreiro, alfabetizara-se tardiamente, fora soldado raso em guerras europeias e tinha sangue 100% plebeu – não plebeu endinheirado, como o de Ana Bolena, mas do que então se chamaria ralé mesmo.
Com tudo contra si, Cromwell conseguira tornar-se uma sumidade na interpretação da lei, uma raposa na manipulação política, um visionário na negociação diplomática, um entendedor sagaz da rede internacional de finanças. Foi um estadista muito à frente de seu tempo, e é em boa parte graças a ele que a Inglaterra, no reinado de Henrique VIII, começou a formar sua identidade nacional. Cromwell, enfim, pavimentou o caminho para que a Inglaterra viesse a ser a maior potência global dos séculos XVIII, XIX e parte do XX.
Mas, se Cromwell chegou lá, é porque era de uma inteligência excepcional – coisa que Mark Rylance (o agente da KGB em Ponte dos Espiões) também é. E também porque seria um ás do pôquer, se pôquer então houvesse: impassível, lacônico, sempre nas sombras, Cromwell nunca mostrava seus trunfos para os inúmeros adversários que tinha na corte. Interpretar um sujeito assim não é coisa para iniciantes. O espectador precisa compreender seu brilho intelectual e seguir seu plano; os outros personagens têm de ser mantidos na ignorância, ou pelo menos na dúvida. Nos seus dois livros, Hilary Mantel tem à disposição um recurso muito eficaz: partilhar dos pensamentos de Cromwell. Na minissérie, esse jogo duplo, de mostar para o espectador o que está escondendo dos outros personagens, é responsabilidade quase integral de Mark Rylance (com uma bela ajuda do roteiro de Peter Straughan).
Wolf Hall para bem antes de Elizabeth I, a filha de Henrique VIII e Ana Bolena, chegar sequer à idade escolar. Mas não dá para deixar de anotar a ironia: tanta comoção e tanta crise para que Henrique pudesse deixar um herdeiro e foi uma filha – mas que filha! – quem garantiu seu legado, e quem levou o plano de Thomas Cromwell mais adiante do que ele jamais imaginaria possível. É o que se chama escrever certo por linhas tortas. Se Henrique tivesse se conformado com Mary Tudor, a Inglaterra teria virado de vez freguesa da Espanha e dos interesses espanhóis e talvez tivesse seguido, pelos séculos seguintes, como uma mera coadjuvante da história europeia. E aí sim é que meu coração estaria partido em mil pedaços.
WOLF HALLInglaterra, 2015Direção: Peter KosminskyCom Mark Rylance, Damian Lewis, Claire Foy, Anton Lester, Jonathan Pryce, Bernard Hill, Jessica Raine, Thomas Brodie-Sangster, Joss Porter, Joel MacCormack
Isabel, você sabe por que o livro se chama Wolf Hall?
CurtirCurtir
Isabela não foi ele que fez Angels and Insects? Adorei ele nesse filme
CurtirCurtir
É ele mesmo, Cris!
CurtirCurtir
Isabela,antes de assistir “Ponte dos Espiões” eu não conhecia a carreira de Mark Rylance.Ele é um grande ator que merece uma nomeação ao Oscar de ator coadjuvante.Aquela sequencia inicial no apartamento não sai da minha mente:encurralado pelos agentes ele de maneira serena pede para pegarem sua dentadura.Um ator de pequenos gestos e que aos 55 anos tem sua grande chance no cinema.
CurtirCurtir
Paulo Ricardo, pode ver qualquer filme com ele e garanto que você não vai se decepcionar.
CurtirCurtir
Será que Wolf Hall terá continuação? Fiquei encantada com a atuação de Mark Rylance. Ele me lembra outro ator que gosto muito, Anton Lesser.
CurtirCurtir
Raquel, Anton Lesser também está em Wolf Hall, excelente, no papel de Thomas More. Mas continuação, só depois que a Hilary Mantel lançar o último livro da trilogia.
CurtirCurtir