divulgação

Ponto Final – Match Point

Como numa tragédia grega

Com sua força e contundência, Ponto Final marca um novo começo para Woody Allen

divulgação

Chris (Jonathan Rhys-Meyers) não apenas lê Crime e Castigo; ele o estuda. Chris está se preparando para ingressar em círculos mais cultivados – e, ao que parece, está também buscando uma forma de burlar a equação proposta pelo título do clássico de Fiodor Dostoievski. Protagonista de Ponto Final – Match Point, Chris foi um bom tenista, que jogou com os melhores. Mas não se equiparou a eles, e precisa agora encontrar outra fórmula de ascensão social. Empregado como instrutor num exclusivíssimo clube de Londres, ele se aproveita da aproximação de um “pato” promissor. Tom (Matthew Goode) é milionário, desocupado e, de maneira muito benigna, condescendente. Nem ele, nem seus pais, nem sua irmã Chloe (Emily Mortimer) fazem idéia do sentimento de urgência que a necessidade e a ambição podem fomentar. Chris é hábil em esconder esse sentimento e mascará-lo em gratidão (aos pais de Tom, que o tomam sob suas asas), amizade (por Tom) ou amor (por Chloe, com quem logo se casa). Não exatamente por mau-caratismo, mas como resposta ao desejo de forjar um destino onde não parece haver nada. Mas nem tudo na trajetória de um homem pode ser ponderado. Para Chris, o imprevisto surge na forma da americana Nola (Scarlett Johansson), noiva de Tom, atriz sem carreira e mulher irresistível. Chris acha que pode jogar dos dois lados da quadra. É claro que não pode. Tudo, então, vai evoluir para a fatalidade nesse novo filme de Woody Allen, que tem uma indicação ao Oscar de roteiro original.

divulgação

Não são poucos os filmes em que Allen perseguiu o efeito de colocar a platéia na posição do coro de uma tragédia grega – uma posição a partir da qual ela contempla os descaminhos dos personagens e anseia por alertá-los, sem que tenha, lógico, poder para interferir. Em nenhum de seus filmes, porém, o diretor atingiu esse efeito com tanta força e equilíbrio como em Ponto Final. Chris fala o tempo todo na sorte e em como é ela que decide, tantas vezes, se o resultado de uma ação será este ou aquele. Mas a sorte, aqui, não passa de um sinônimo coloquial para fado. Assim como a inocência da esposa traída Chloe ou o desespero da amante Nola, a soberba de Chris é um sentimento ancestral, e terá conseqüências também elas ancestrais. Allen articula sua trama com uma montanha de referências tiradas da literatura, da música, da pintura e de seu próprio cinema (em especial de Crimes e Pecados), mas a exigência não é que elas sejam percebidas individualmente ou compreendidas ao pé da letra. Elas servem, antes, como pano de fundo: certos erros provêm da condição humana, e por isso os homens estão condenados a repeti-los através dos séculos, a despeito de todos os exemplos funestos que a arte imortalizou.

divulgação

Desde a década de 80 Allen não fazia um filme tão contundente, completo e distante do tom amesquinhado que marcou muito da sua produção da última década. É verdade que sua misantropia continua a deslizar para a misoginia – quando perde as estribeiras, Scarlett Johansson se debate com estridência idêntica à de Anjelica Huston, outra amante descartada, em Crimes e Pecados. Mas isso é hoje tão característico de Allen quanto os créditos iniciais sobre fundo preto, e já deixou de acrescentar ou subtrair. O que importa é que o cineasta acaba de entrar nos 70 anos com uma potência que se dava por completamente perdida. Ainda que ele tenha rodado Ponto Final em Londres por questões financeiras, e não artísticas, a mudança de locação só lhe fez bem. As veleidades humanas de que ele trata aqui são as mesmas de toda a sua obra. Sua ressonância, contudo, é outra, e infinitamente maior.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 15/02/2006
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2006

PONTO FINAL – MATCH POINT
(Match Point)
Inglaterra/Estados Unidos, 2005
Direção: Woody Allen
Com Jonathan Rhys Meyers, Scarlett Johansson, Matthew Goode, Emily Mortimer, James Nesbitt, Ewan Bremner, Brian Cox, Penelope Wilton, Mark Gatiss

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s