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Macbeth: Ambição e Guerra

Um Shakespeare com monotonia e sussurros.

O Natal, o ano-novo e os 120 anos do cinema tumultuaram o meio de campo, mas aí vai, finalmente, com algum atraso, meu comentário sobre o Macbeth protagonizado por Michael Fassbender – que prometia ser um dos grandes filmes de 2015 mas, como tantas vezes acontece com as promessas, ficou pelo meio do caminho.

Já aviso que se você quer sentir todas as emoções da história do nobre escocês que recebe de três bruxas a profecia de que será rei, e que tenta então apressar o cumprimento da profecia por meio de assassinatos tenebrosos, é melhor negócio ir atrás de Trono de Manchado de Sangue, a adaptação que Akira Kurosawa fez em 1957, ou do Macbeth de 1971 de Roman Polanski. Aqui o espectador tem lindíssimas vistas desoladas das charnecas e figurinos deveras interessantes; mas quase nada de envolvimento com a espiral de loucura em que entram Macbeth e sua mulher, intoxicados pela ideia de poder até o ponto do desvario. Como pode a própria razão de ser da peça ter se perdido?

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Shakespeare é tão rico e tão perene que são infinitas as maneiras possíveis de encená-lo. Mas há pelo menos uma maneira errada de fazê-lo: com medo do texto. Nesta versão dirigida pelo australiano Justin Kurzel, os atores (à exceção de dois que serão mencionados já já) dizem suas falas como se estivessem pedindo desculpas à plateia pelas complicações da métrica, do vocabulário e das imagens usadas nos versos: sussurram, cochicham, falam de esguelha, murmuram. A visão de Kurzel é pedestre: ela parte da noção de que o texto é carregado demais para o público mais diverso que ele presumivelmente quer atrair com atores como Fassbender e Marion Cotillard (como Lady Macbeth), e que o melhor então é atenuá-lo. O resultado, porém, é o oposto do que se almeja: as falas deixam de ser falas e viram fieiras de palavras – sem dramaticidade, sem nuance, sem ritmo. Nunca foi tão difícil acompanhar Shakespeare como neste Macbeth, em que as atuações ficam em segundo plano em relação à direção de arte (que parece linda no início, e logo começa a ficar cansativa, e por fim já está torrando a paciência).

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E daí entra em cena Sean Harris, e o mundo se abre: no papel de Mcduff, o nobre que desconfia das armações terríveis que Macbeth perpetrou para chegar ao trono, Harris faz o que todo ator tem de fazer quando interpreta Shakespeare: abraça o texto, projeta a voz e usa-a em todas as suas modulações – e faz as falas soarem como os diálogos que verdadeiramente são. Quando Harris e/ou Elizabeth Debicki (como Lady McDuff) estão em cena, o texto soa vivo e palpitante, e carrega o espectador com ele. Não custa lembrar que Shakespeare era um favorito da corte de Elizabeth I, mas era também um autor popular: escrevia para lotar o teatro, dos melhores assentos aos lugares mais baratos. Interpretar Shakespeare implica jogar para a galera, no sentido mais fino do termo; implica engajá-la.

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Um exemplo por parte de quem sabe o que está fazendo? Assista ao Coriolano protagonizado e dirigido por Ralph Fiennes, disponível no Brasil em DVD e blu-ray. A resenha você encontra aqui.


Trailer


MACBETH: AMBIÇÃO E GUERRA

(Macbeth)
Inglaterra/Austrália, 2015
Direção: Justin Kurzel
Com Michael Fassbender, Marion Cotillard, Paddy Considine, David Thewlis, Sean Harris, Elizabeth Debicki
Distribuição: Diamond Filmes

5 comentários em “Macbeth: Ambição e Guerra”

  1. Concordo totalmente. Além do mais, Justin Kurzel parece fazer um trabalho que carrega todas aquelas dúvidas de um iniciante, recorrendo inclusive a uma estética que moderniza Shakespeare ao ponto de descaracterizá-lo, a exemplo da batalha inicial com o seu curso por vezes congelado e a tinta escarlate que pinta a tela no ato final. É uma adaptação que, ao contrário daquela de Polanski, que só enriquece com a passagem do tempo, terá o seu prazo de validade determinado com a vinda de um novo e inevitável “Macbeth”. Por fim, me faz pensar que as melhores leituras de clássicos consagrados na literatura e no teatro são aquelas que a subvertem: alguns dias após “Macbeth: Ambição e Guerra”, vi “Freeway”, uma livre versão de “Chapeuzinho Vermelho”, e o resultado, somado a outros exemplos recentes como “Gemma Bovary”, “Tamara Drewe” e o citado “Coriolano”, me fez chegar a essa conclusão.

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