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Labirinto de Mentiras

O fascinante mea culpa alemão.

Está-se na virada dos anos 50 para os 60 – quase vinte anos depois da derrota da Alemanha nazista na II Guerra Mundial, portanto –, e o jovem promotor de Frankfurt acabou de descobrir que existiu algo como o campo de extermínio de Auschwitz.

Ele está chocado e incrédulo, não só com a ideia de uma fábrica da morte, mas também com a constatação de que as pessoas que nela trabalharam agora são padeiros, industriais, relojoeiros, professores primários. O velho promotor-chefe então indaga o que ele imaginava, exatamente – que os nazistas se haviam evaporado em 1945, com o fim da guerra?

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Boa pergunta: menos de duas centenas de oficiais ou membros do Partido Nazista foram condenados no julgamento de crimes de guerra de Nurembergue, realizado entre 1945 e 1949. E as centenas de milhares de outros que fizeram a máquina de Hitler funcionar, para onde foram? Misturaram-se novamente à vida comum do país, sem alardear seu passado mas também sem medo de sofrer qualquer punição por ele: empenhada no esforço de reconstrução nacional, ansiosa por esquecer sua vergonha ou ainda secretamente favorável ao nazismo, a Alemanha silenciou para si mesma sobre seus pecados. Para os mais jovens (e não só para eles), como o promotor Johann Radmann, interpretado por Alexander Fehling, nomes como Auschwitz não queriam dizer absolutamente nada, e o Holocausto não passava de propaganda política inventada pelos Aliados.

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A história que este filme muito discreto e bem-feito conta é a de como os alemães foram finalmente obrigados a começar a admitir o que se passara entre 1933 e 1945. O novato Radmann é a pessoa certa na hora certa para o promotor-chefe Bauer (o maravilhoso Gert Voss): Radmann é jovem demais para ter um passado, não tem afiliação com nada nem ninguém, e é cheio de entusiasmo – e de ingenuidade: ninguém que soubesse o tipo de vespeiro em que se iria mexer aceitaria a tarefa de reunir depoimentos de centenas de sobreviventes de Auschwitz para identificar os crimes de dezenas de guardas, baixos oficiais etc. e levá-los a julgamento.

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No seu último terço, o filme do diretor Giulio Ricciarelli, um italiano radicado na Alemanha, se dispersa em caminhos mais convencionais e perde um tantinho de força. Mas, até lá, é uma beleza. Há uma sequência magnífica na qual Radmann e sua secretária (Hansi Jochmann, também ela uma atriz maravilhosa), uma senhorinha já bem passada da meia-idade, colhem os testemunhos: não se ouvem os diálogos, apenas veem-se os gestos dos sobreviventes e a expressão horrorizada, e repugnada, e por fim inconsolável da secretária. É memorável – uma maneira de fazer o espectador sentir o horror do extermínio dos judeus como se fosse pela primeira vez.

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A figura de Radmann é uma condensação de vários promotores que de fato conseguiram julgar os criminosos de Auschwitz a partir de 1963 e que, com isso, fizeram nascer uma nova diretriz institucional na Alemanha, segundo a qual todos os cidadãos seria obrigados, desde o ensino elementar, a conhecer em detalhe as atrocidades do período nazista. A palavra é longa e complicada: Vergangenheitsbewältigung. E o processo que ela descreve é ainda mais longo, e bem mais complicado: em tradução aproximada, seria “o esforço de admitir o passado e superar seus aspectos negativos” – um esforço no qual os alemães se engajaram, nem sempre com boa vontade e às vezes à força mesmo, mas com os resultados admiráveis que estão tão à vista na Alemanha de hoje. Parece óbvio, mas está longe de ser: uma nação que escamoteia seus mal-feitos e releva o passado não segue adiante e se condena a andar em círculos. Círculos viciosos.

P.S.: É dificílimo de achar, mas há um outro filme alemão extraordinário sobre como, apesar desse esforço, o silêncio persistiu durante muito tempo em certas esferas. Na história, uma garota vai fazer um trabalho de escola sobre sua cidadezinha no período da II Guerra e depara com um paredão de hostilidade. Chama-se Uma Cidade Sem Passado (Das Schreckliche Mädchen/The Nasty Girl) e é de 1990.


Trailer


LABIRINTO DE MENTIRAS
(Im Labyrinth des Schweigens)
Alemanha, 2014
Direção: Giulio Ricciarelli
Com Alexander Fehling, André Szimansky, Gert Voss, Hansi Jochmann, Robert Hunger-Bühler, Friederike Becht
Distribuição: Mares Filmes

Uma consideração sobre “Labirinto de Mentiras”

  1. Mias um filme extraordinário, vencedor do BIFF – Festival Internacional de Cinema de Brasília 2015. A cena da secretária mencionada é arrebatadora. Filme denso, forte, provocativo, para ficar sentando na poltrona refletindo enquanto vão passando as letrinhas na tela. Outro filme que aborda o tema, e do qual também gosto muito (mais ainda do livro) é “O leitor”.

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