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Longe Deste Insensato Mundo

Certas coisas não mudam.

Você vai olhar o poster do filme e achar que é uma daquelas histórias de amor de época: a Carey Mulligan e o Matthias Schoenaerts metidos em roupas do século XIX, olhando um nos olhos do outro, recortados contra a luz difusa de um entardecer no campo.

Mas, em boa parte, você vai estar enganado. Sim, o cenário é mesmo aquela Inglaterra pastoral de todos os livros de Thomas Hardy. Mas, e ponha-se “mas” nisso: o romance que Hardy publicou em 1874 é em muitos sentidos uma anti-história de amor. E, vindo do atordoante A Caça, o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg mostra aqui como adaptar um clássico literário com 110% de produtividade – ele segue e respeita a narrativa original e, ao mesmo tempo, faz com que suba à tona, no filme, sua resposta à pergunta fundamental: por qual razão decidi que este livro em particular estava precisando de uma adaptação bem agora?

A resposta é: porque certas coisas não mudam, ou mudam muito pouco. Entre elas, os cálculos complicados que os seres humanos em geral, e as mulheres em particular, fazem ao tentar equacionar sexo, amor, independência e realização pessoal.

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Hardy e Vinterberg não fazem segredo de que sua heroína é uma mulher singular. Batizada com o nome exótico de Bathsheba (que, no Velho Testamento, seduziu o rei Davi e deu à luz o futuro rei Salomão), ela é bonita e instruída, mas mora com parentes numa fazenda e trabalha no campo porque é pobre. Gabriel Oak, pastor de ovelhas e dono da fazenda contígua, se apaixona por Bathsheba exatamente por isso – por ela ser diferente e única. E Hardy e Vinterberg não fazem segredo também de que Bathsheba não poderia fazer escolha melhor do que Gabriel: ele não quer elevá-la com seu pedido de casamento, não quer se aproveitar do fato de que ela é pobre para ter o pedido aceito, não quer mudá-la. Ele a quer simplesmente por ela ser como é. Bathsheba, porém, ainda não provou da vida, e não faz ideia do valor que isso tem. De forma que, embora sinta por Gabriel uma certa atração, ela o recusa; Bathsheba acabou de receber uma herança que permitirá a ela ser dona de sua própria fazenda, e quer aproveitar para se testar, libertar-se e, possivelmente, fazer negócio melhor do que casar-se com um pastor.

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A beleza da tese de Longe Deste Insensato Mundo é que, tivesse aceitado casar-se com Gabriel nesse momento, Bathsheba teria transformado o homem certo no homem errado, e teria também sido sempre a mulher que ela não quer ser. Assim, durante a hora e meia seguinte Bathsheba vai fazer o que todo mundo tem de fazer na vida: bater bastante a cabeça na parede. Sua fazenda vai prosperar e então quase falir vezes seguidas; ela vai testemunhar em primeira mão o estrago que a repressão emocional e a timidez sexual podem causar na figura de William Boldwood (Michael Sheen), o fazendeiro rico que faz a ela uma corte humilhante; e vai confundir aquele calorão que sente ao conhecer o sargento Frank Troy (Tom Sturridge) com coisa mais duradoura, e entrar num casamento desastroso com ele. Em todos esses momentos, porém, o que Bathsheba faz é tentar manter-se no controle da situação, e sobretudo da sua vida. Que ela às vezes usa os outros e se aproveita deles – ainda que não de maneira venal ou indiferente – é fato. Mas não há como censurar nela esse desejo, e há muito que admirar na maneira como ela toma sua decisão a respeito de Oak no seu próprio tempo, e na hora que convém a ela.

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Repare que Thomas Vinterberg, tirando o máximo partido do roteiro de David Nicholls, transfere para os homens todas aquelas características que tradicionalmente (e com certeza no século XIX) seriam femininas – a sensibilidade e a abnegação de Oak, a melancolia e a histeria de Boldwood, a frivolidade e a vaidade de Troy. Esse é um avanço muito proposital que Vinterberg e Nicholls fazem sobre a última adaptação do livro para o cinema, o Longe Deste Insensato Mundo de 1967, dirigido por John Schlesinger e estrelado por Julie Christie. Coisa finíssima, enfim. E Carey Mulligan e Matthias Schoenaerts estão um espetáculo.


Trailer


LONGE DESTE INSENSATO MUNDO
(Far from the Madding Crowd)
Inglaterra/Estados Unidos, 2015
Direção: Thomas Vinterberg
Com Carey Mulligan, Matthias Schoenaerts, Michael Sheen, Tom Sturridge, Juno Temple, Bradley Hall, Jessica Barden, Hilton McRae
Lançamento: Fox

4 comentários em “Longe Deste Insensato Mundo”

  1. Será que este é o ano da Carey Mulligan no Oscar com As Sufragistas?
    De qualquer maneira, a minha torcida vai para Charlotte Rampling, seria um exemplo de justiça sendo feita ao premiar um atriz veterana subestimada nos EUA.

    Curtido por 1 pessoa

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